segunda-feira, 22 de agosto de 2011

2000: Entrevista a Rui Marques



Albergaria-a-Velha ficou, de há anos a esta parte, estigmatizada pela "invasão" de droga nas escolas, e pela "mancha negra" que constitui a prostituição, na sua forma mais degradante – a de estrada. Rui Marques, presidente da Câmara há 15 anos tem lutado contra esses flagelos e embora não se encontrem debelados, especialmente a prostituição, estão numa, forma regressiva. Outra desgraça que costuma abater-se sobre a área do seu concelho são os fogos que, e felizmente, este ano têm andado por outras bandas. O concelho vive um surto de desenvolvimento e a pouco e pouco vai mostrando uma face nova, mercê, de grandes investimentos. Mas há muito por fazer ainda...

CP - O PP continua a corresponder aos seus ideais políticos, ou nem por isso?

RM - Na maior parte das questões identifico-me com as posições do PP, embora não me identifique COM nenhuma das correntes. Para cada uma das questões tenho a minha posição. O meu grande partido foi sempre a Câmara. Sou médico, gosto de exercer medicina, mas talvez no melhor momento da minha vida profissional vim para a Câmara, gosto do trabalho que faço, mas ao nível da carreira política não tenho grandes ambições.

CP - Mas gostaria de ter visto outros rumos para o PP?

RM - Sinceramente, não gostaria de me pronunciar sobre questões do partido, e pela simples razão que sou muito mais um autarca do que um homem do Partido.

CP - Quase a completar um quarto mandato, acha que os objectivos que se propôs quando veio para a Câmara estão atingidos ou estão muito aquém?

RM - Muito aquém não estamos, mas eu estou sempre insatisfeito. De uma forma geral acho que o trabalho é positivo, porque a generalidade dos objectivos estão atingidos embora haja outros, porque este trabalho não pára. O trabalho desenvolvido ao longo destes anos levaram a que o concelho se transformasse. Isto é público e notório. O concelho sofreu uma grande transformação, para melhor, mas há ainda muito por fazer...

CP – Essa transformação é palpável em que áreas?

RM – Hui.. tantos. Olhe, por exemplo, o mercado de emprego. Hoje temos uma taxa de desemprego residual. Vieram para Albergaria muitos investidores, há muito mais dinheiro, as pessoas têm um nível de vida melhor...

CP – Mas a nível da Educação, a situação é também animadora?

RM – Sem dúvida... temos um Plano para o sector educacional que está praticamente cumprido e que satisfaz em todas as suas vertentes.

CP – Especifique...

RM – Ao nível do pré-primário temos, ao nível da componente pedagógica, uma cobertura a 100%, e estamos a trabalhar muito a sério na componente do acompanhamento, mas aí depende muito também da vontade dos pais. Mas desde que eles queiram faremos também uma cobertura a 100% e isto implica também a realização de obras. Mas estamos a trabalhar no sentido de adaptação das salas. Estamos, por isso, muito acima da média nacional. Ao nível dos 2º e 3º ciclos, com a escola que agora abriu em S. João de Loure, ficamos com todo o concelho coberto e permite-nos até uma outra coisa que é caminhar no sentido da extinção da telescola.

Falta-nos o Secundário mas que ficará também coberto com a Escola de Albergaria.

CP – Vamos agora falar de acessibilidades no concelho...

RM – A acessibilidade está boa, embora haja alguns casos que é preciso resolver, Mas deixe-me que lhe diga que os casos mais gritantes são da responsabilidade da administração central, isto e, estradas nacionais que o governo quer transferir para a Câmara. Como exemplo refiro-lhe a E16-3 que vai de Vale Maior a Telhadela, passando pela Ribeira de Fráguas... aí está o problema mais complicado, mas estamos a tentar que ela seja beneficiada. Há ainda outro problema no acesso da zona sul que tem um bom traçado mas precisa de um piso melhorado. Mas hoje as distâncias medem-se em tempo e não em quilómetros... e no concelho de Albergaria ninguém demora mais de dez minutos a chegar à sede.

CP – A zona industrial tem-se expandido a olhos vistos... como tem sido a motivação por nós investidores?

RM - Nós não temos que contactar directamente os investidores basta que lhes demos condições e fizemos um grande investimento com verbas que eram da Câmara, do I QCA, criamos um parque com boas condições de acessibilidade, bons acessos interiores e todas as infraestruturas necessárias, desde a água até ao gás natural, passando pelo saneamento. Há excelentes condições de acessos com a proximidade do IP5, da auto-estrada e do IC2 e tudo isto conjugado faz com que se tenham cá implantado. Todos os dias está gente a chegar. Ainda recentemente estive em Vitória a visitar uma unidade de unia empresa de metalomecânica que se quer instalar cá com uma área coberta na ordem dos 30.000 m2. O parque industrial está a crescer e já tem muito boas empresas, e pode dizer-se que está quase todo ocupado mas temos já o Plano de Pormenor da Zona Industrial que está para ser aprovado já com zonas de expansão. É um problema perfeitamente equacionado em termos de crescimento, o que há um problema paralelo, que é a falta de mão de obra. Já há quem se queixe, mas espero que isso se resolva com a vinda de mais pessoas para o concelho.

CP – Isso leva-nos ao problema da habitação. Há condições para acolhimento de mais população?

RM – Neste sector o mercado tem respondido. E como os preços não são muito altos... Aqui mesmo na sede do concelho está a ser desenvolvido um projecto de arquitectura de um complexo de 140 fogos de habitação de custos controlados e em Alquerubim vai a ser a Câmara a promotora de cerca de meia centena de fogos, também de custos controlados, que está na fase de negociações com o INH. Dentro de pouco tempo, espero, vamos pôr a concurso a construção destas habitações.

CP – Mas nem tudo são rosas neste concelho. Há problemas...

RM - Há problemas e graves, como a droga. Albergaria beneficia de ter um enquadramento viário muito bom, mas o que entra de bom também entra aqui de mau. É um local onde o tráfego se desenvolve com alguma intensidade, exactamente por ser um nó estratégico das vias de comunicação. É conhecido que é um ponto de encontro de traficantes. É uma presença em quase todas as escolas. Os traficantes sabem bem que é nesses escalões etários que se inicia o consumo e é aí o local de venda privilegiado, tornando-se o alvo preferencial dos traficantes. Há aí zonas onde, toda a gente o sabe, o negócio é mais visível, mas segundo as informações que tenho obtido de responsáveis é que não é este tipo de traficante que interessa, embora funcionem como o mecanismo pelo qual se pode chegar mais longe. Daí que a intervenção a este nível seja um pouco mais frouxa.

CP – Ainda não há muitos anos houve, aqui bem perto, problemas com as etnias ciganas...

RM - Houve, sim senhor, mas nada de problemas xenófobos. Foi mais uma vertente do problema de que temos estado a falar... a droga.

CP – Mancha negra continua a ser a prostituição.

RM – Já não tanto. À medida que as manchas florestais reduzem, as condições para essas mulheres também são cada vez piores, mas é uma mancha em que a legislação é muito permissiva. Mas são já focos muito mais reduzidos, até porque a zona que era mais pretendida para esse negócio, entre Albergaria-a-Velha e Albergaria-a-Nova, está quase toda ocupada por espaços comerciais. Ainda há um pequeno foco no Sobreiro, mas a tendência é também para acabar. Pode dizer-se que ainda há pequenos focos para a tendência é para diminuir ou acabar.

CP – Albergaria é um concelho seguro?

RM – Temos alguns problemas de segurança, mas todos eles também provocados pela droga. Há alguma pequena criminalidade, toda ela relacionada com esse flagelo. Mas já conseguimos que o efectivo da GNR, em Albergaria, fosse reforçado e temos já o compromisso do governo e está já em orçamento o novo quartel na Branca. Há já terreno, e é uma obra nova que vai reforçar a segurança no concelho, cobrindo toda a zona norte, ficando o posto de Albergaria para as zonas centro e sul. Por outro lado, oferecemos também uma viatura à GNR no âmbito do programa Escola Segura.

CP – Este ano o seu concelho esteve um pouco imune à tragédia dos fogos.

RM – Graças a Deus!!! Mas ainda houve alguns, mas sem grande dimensão. Não quero embandeirar em arco, mas isto são questões de ocasião. Eu penso que a zona que ardeu, dentro de um ano está outra vez em condições de arder... se tivermos o azar das condições climatéricas ajudarem os incendiários e se eles quiserem pegar fogo, penso que arde tudo outra vez. È muito difícil combater os incêndios quando não há limpeza da floresta. Temos o helicóptero que em termos de vigilância é muito bom, e temos um excelente corpo de bombeiros, mas isso não chega. Temos procurado prevenir arranjando muitos caminhos, para que os acessos sejam facilitados. Temos muitos pontos de água e financiamos os bombeiros no que concerne a bons carros e bom equipamento. Procuramos, em suma, dar condições para que o combate aos incêndios seja o melhor possível. Mas mais não podemos fazer.

CP - Para concluir, fale-nos dos projectos em desenvolvimento.

RM – Há um investimento grande na Biblioteca, cujo projecto é do arquitecto Siza Vieira. É uma obra para cerca de 250 mil contos. É uma obra que vem sendo perseguida há muitos anos, e para a qual já tinha indicado à Câmara talvez umas dez possíveis localizações. Finalmente a obra vai por diante, ficará situada numa zona a seguir ao Pavilhão gimnodesportivo, próximo das Escolas, e sobranceiro ao Vale onde queremos desenvolver o Parque da Vila. A Biblioteca fica integrada no Parque o que penso ser unia boa solução. É uma obra que dignificará Albergaria.

Depois há um outro projecto, o do Centro Cultural e Posto de Saúde da Branca, que é da autoria do arquitecto Carrilho da Graça, o autor do Pavilhão dos Mares na Expo-98. Vai ser um projecto conjunto, com duas obras diferentes e financiadas por Ministérios diferentes. Todo o projecto é do mesmo autor e é um empreendimento homogéneo. Como pode ver fez-se muito mas há uma que ainda gostava de ter este ano resolvida uma pretensão que é a de um polo da Universidade de Aveiro. Há negociações, já falei com o senhor Reitor e já adquirimos a Quinta do Torreão, que era o local ideal para esse polo da Universidade..

Mas não posso deixar de lhe referir que a Câmara de Albergaria esteja a ser descriminada em relação a outros concelhos, do Partido Socialista. É o caso da recuperação da sala de Cine-Teatro. Quando as coisas estão bem, eu reconheço, mas [não] neste caso, e estou a dize-lo pela primeira vez. Há um caso flagrante de discriminação intolerável. Aveiro, Estarreja e Sever do Vouga já viram esse problema resolvido, e quanto a Albergaria há um esquecimento sintomático.


Entrevista de Arménio Bajouca, Campeão das Provincias, 07/09/2000


PERFIL

Rui Manuel Pereira Marques, de 46 anos é um presidente de Câmara eleito sucessivamente pelo CDS e CDS/PP, na terra onde nasceu. Licenciado em medicina pela Universidade de Coimbra, há 15 anos que deixou de exercer para se dedicar de corpo inteiro à autarquia. Para além da presidência da Câmara de Albergaria-a-Velha é também presidente da Associação de Municípios do Carvoeiro e vice-presidente da Associação Nacional de Municípios.

Divorciado e pai de quatro filhos (3 rapazes e uma rapariga, de 24, 18, 4 e um ano respectivamente) confessa não ter tempo para a leitura, mas gosta muito de cinema e o último filme que o marcou especialmente foi "A vida é bela". Já no que respeita à TV prefere coisas ligeiras que o descontraíam de um dia muito preenchido com coisas sérias. Por isso, "Sai de Baixo" é o anti-depressivo que vê, quando pode, para além da Informação, pois gosta de estar a par do que se passa no pais e no mundo. Relativamente à febre do momento – Big Brother – não concorda com o formato que, na sua opinião, "não tem nada de cultural e explora apenas o devassar da intimidade das pessoas, numa guerra de audiências que não é positiva para a sociedade, não traz vantagens nenhumas e nada tem de educativo". Gosta de jogar Ténis e de ir caçar com os amigos. Desportivamente falando praticou andebol por mais de vinte anos, e Beira-Mar, Sanjoanense, Académica de Coimbra e Clube de Albergaria foram clubes pelos quais envergou a camisola.

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