terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Aderav e a Memória colectiva do passado

Delfim Bismarck foi presidente da Associação para o Estudo e Defesa do Património Natural e Cultural da Região de Aveiro (ADERAV), entre 2001 e 2005. Os objectivos passavam por ter uma actuação mais atenta para salvar a memória colectiva do passado.

De secretário a presidente

- Como aparece a presidir à ADERAV?

Eu já fazia parte da assembleia geral, era o secretário da mesa que era presidida por Amaro Neves. A minha actividade profissional está directamente relacionada com a história e resolvi disponibilizar-me. É uma direcção praticamente renovada, com sócios mais jovens e outros recentes. Vamos pegar na associação e procurar fazer algo de interessante.

- Quantos sócios tem?

Cerca de 350. Eram os que existiam há dez anos. Entrou pouca gente.

- Quais têm sido as vossas acções mais recentes?

A principal actividade acaba por ser a revista. É o que fica para o futuro e acaba por ser um trabalho muito importante em termos de investigação. O número mais recente surge como novo figurino, com cerca de 160 páginas. É um livro. Para além disso, tentamos estar a par de tudo que se passa no que toca a património natural, cultural e arquitectónico. Sempre que entendemos, marcamos posição sobre assuntos que estejam a ser discutidos publicamente.

- É a única associação que produz investigação deste género?

Sim. Conhecemos estas pessoas e sabemos os trabalhos que fazem. No próximo número, pretendemos que surjam mais artigos sobre património natural. Há coisas interessantes. Desejamos, também, abranger melhor o Norte do distrito. Não serem sempre os mesmos autores.

- O âmbito da associação é bastante abrangente?

O património natural é fácil de identificar. O cultural vai das tradições, aos trajes à arquitectura e, até, a gastronomia. Podemos ter um trabalho sobre arqueologia e outro sobre arquitectura contemporânea. Cabe tudo, desde que seja relacionado com Aveiro.

- Não existe nenhum centro de investigação do património em Aveiro?

Temos investigação mas não é suficiente. Os apoios não são muitos. Não existe nenhuma estrutura organizada, um estabelecimento de ensino que assuma esse papel.
A Universidade poderia fazê-lo. Seria importante ter um centro de estudos regionais .

- Em termos de museologia, como está o distrito?

Melhor que outros é certo mas, mesmo assim, existem concelhos que não possuem nenhum. Outros possuem mais do que um. No entanto, é difícil encontrar um verdadeiro museu, que envolva estudo, colecção e exposição permanente.

- A associação opôs-se a diversas situações atentatórias do património. Um papel ingrato?

A ADERAV em 22 anos já se confrontou com casos desses, evitando, por exemplo, um edifício de 27 andares no actual Fórum Aveiro. O protesto resultou. A Fábrica Jerónimo Campos esteve em risco. Fez-se uma campanha que ajudou a preservar aquele espaço.

- Persistem casos assim?

A intervenção feita na sede da SIMRIA é discutível. Na região, temos um caso em Angeja, onde se prevê uma alteração na 'casa da praça', que é uma das poucas obras Arte Nova da autoria de Carlos Mendes que ainda restam. Vai ter um cone inclinado no telhado!. Estamos a ver se a Câmara de Albergaria trava isso, porque tem a zona de protecção do pelourinho.
Isto sucede porque o IPPAR não funciona. Nos últimos 3 anos pedimos cerca de 50 classificações de imóveis e ainda não obtivemos respostas.

Há o caso da futura biblioteca de Estarreja, no palacete dos Leites. A classificação foi pedida há 3 ou 4 anos e a Câmara já está a fazer obra. Só agora, as técnicas vieram ao local.

- Quem tem um prédio de interesse é sempre prejudicado relativamente a proprietários de imóveis não classificados, que podem reconstruir com excelentes lucros?

Existem benefícios fiscais e outros apoios que edifícios não classificados não usufruem. A Arte Nova tem um programa específico. As pessoas é que não têm concorrido como seria de esperar. É preciso um protocolo com as Câmaras mas parece faltar alguma sensibilidade para agir. Vemos aí edifícios escurados, à espera de obras. Apelamos ao diálogo para que sejam recuperados quanto antes.

- A nova capitania agrada-lhe?

A cobertura em cobre é discutível. A mim não me choca. O lado envidraçado já merece reservas maiores. Dou os parabéns à Câmara também ao projecto para a casa Major Pessoa. Acho bem ser um centro de Arte Nova.

- O património religioso fica muitas vezes esquecido?

É pior por vários motivos. Por ser muito mais antigo, propriedade da Igreja e, normalmente, recuperado por pessoas não habilitadas. Repintar altares em talha dourada é uma asneira comum...

No tocante ao património natural, há um esforço de evitar o desaparecimento de património.
Domina a ria. Notamos que a memória do passado está salvaguardado. Algumas Câmaras têm vindo a apoiar a recuperação de moliceiros. Existem ainda estaleiros, um dos quais, na Murtosa, com formação.

- Teme que a Avenida Lourenço Peixinho perca a sua identidade?

A avenida tem quarteirões que deveriam ser restaurados por inteiro, evitando-se novos edifícios que nada têm a ver com aquela memória. No bairro da Beira-Mar e junto ao canal também. Deveria haver maior cuidado na classificação.

- Para completar o roteiro de uma possível visita, sugere outros locais de passagem?

O museu, a Sé, as capelas. Nas freguesias do interior, há vestígios arqueológicos, capelas e solares rurais. Aliás, nós estamos a pensar em reeditar o roteiro de Amaro Neves e João Afonso Cristo.

- Como viu o caso Severim Duarte, com a demolição da fachada?

Não era um imóvel classificado. Curiosamente, o da frente já é. O abaixo-assinado despertou a opinião pública. Esperamos que a fachada seja refeita. Chamo a atenção que a classificação pode ser solicitada por qualquer pessoa. As Câmaras, e temos pena, não o fazem com a frequência que deviam.

Notícias de Aveiro - Editor Júlio Almeida, 18/05/2001

(Uma versão reduzida desta entrevista foi publicada no semanário O AVEIRO de 18 de Maio de 2001)

O historiador [Delfim Bismarck, presidente entre 2001 e 2005] começou por destacar dos seus quatro anos de presidência da ADERAV "a reorganização interna". Lembrou, inclusivamente, que assumiu a associação num momento em que estava “praticamente moribunda”.

Depois “ganhou vida e viu a sua actividade reconhecida publicamente”, disse. Além disso, deixa “uma sede óptima” (na casa das colectividades) e um grupo de “sucessores cheios de entusiasmo para avançar”.

Notícias de Aveiro - Editor Júlio Almeida, 20/07/2005

Nota do Blogue:

Aproveitamos para saudar o trabalho do Dr. Delfim Bismarck quer na preservação da nossa memória colectiva como na defesa das nossas tradições e do nosso património.

Ainda no tempo do Dr. Rui Marques publicou alguns artigos por causa da defesa do nosso património bem como das dádivas do Dr. Jacinto Pires de Almeida e do Dr. Simões Pereira.

Numa altura em que era militante do mesmo partido que liderava a Câmara, o que foi enaltecido pelo Dr. Adelino Santiago (PS) em reunião da Assembleia Municipal. Por isso a sua conduta não deve ser confundida como tendo razões politicas mas apenas a procura do melhor para a nossa terra. Razões que o terão levado a voltar à Política mas que não devem servir para distorcer os seus objectivos.

ACTA DA REUNIÃO ORDINÁRIA DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALBERGARIA-A-VELHA, REALIZADA A 07 DE FEVEREIRO DE 2001

PERÍODO ANTES DA ORDEM DO DIA - O Sr. Vereador Dr. Adelino Pereira Santiago apresentou a seguinte intervenção: “Quero congratular-me com o artigo do Sr. Delfim Bismarck inserto na página 4 do Semanário Regional “Linha da Frente” onde de uma maneira clara e em minha opinião correcta vem pôr o dedo na ferida relativamente à política cultural e de preservação do património da gestão camarária encabeçada pelo Dr. Rui Marques e CDS/PP emque o património concelhio é deitado ao abandono, destruído ou esquecido com a passividade, a condescendência ou a própria intervenção desastrada dessa mesma gestão municipal sendo queo último exemplo acabado disso mesmo é a forma como foi aprovado o projecto e licenciamento da Casa da Praça em Angeja deixando nas mãos do arquitecto e dono da obra a possibilidade de preservarem ou destruírem um património de Arte Nova valioso conforme seu belo prazer, sendo que o dono do edifício é a própria Câmara Municipal.
Dou os meus parabéns ao articulista sintonizando-me nesta matéria com o mesmo dando-lhe tanto mais valor quanto o mesmo é do mesmo partido do Sr. Presidente da Câmara.”


O artigo “Albergaria-a-Velha, uma cidade com "pala´s” mas sem identidade", publicado na última edição do Jornal de Albergaria, é mais um exemplo dessa prática. Há muito que deixou a ideia de se fazer no município um "Museu de Papel" aproveitando a Fábrica de Valmaior ou tratou do pedido de classificação de vários monumentos.

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